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Cahiers antispécistes n°14 -

Predadores predados

Tradução: Anna Cristina Reis Xavier; revisão: Marly Prestes

Não é novidade nenhuma mencionar o filme que foi recentemente lançado no cinema Independence Day. Como uma criança já bem crescida, que gosta de grandes espetáculos, fui vê-lo.

É a história de extraterrestres bem maldosos com os quais os humanos (as) tentam, inicialmente, travar um diálogo mas não conseguem. O que interessa aos visitantes, é simplesmente matar todo mundo. Trata-se de @£#°% [1], variedade de extraterrestres que sobrevivem migrando de planeta em planeta, explorando cada vez mais, até a exaustão, os recursos locais dos lugares onde as populações são exterminadas.

Neste tipo de conto de fadas, não há dúvida alguma sobre os bons e os maus. Nós, humanos(as) somos 100% os (as) bonzinhos (as). O filme é cheio de bons sentimentos [2]. O adversário é tão mau, – em alguns minutos carboniza metade do planeta – que todos os povos se unem para combatê-lo. Inclusive até os soldados iraquianos se colocam sob a autoridade do Presidente dos EUA.
Ninguém chora quando, no final, as hordas de invasores são extintas através de nossas bombas atômicas. Bem feito! Nossa vitória soa grandiosa sobre os malvados que queriam nos exterminar como ratos. Nós podemos então voltar a nossos negócios, reconstruir nossas cidades e nossas indústrias por exemplo, nossa pecuária e nossas usinas de raticidas.

Tive, entretanto, a inspiração de me colocar, pelo menos um instante, do outro lado, apesar da feiúra dos tentáculos e das más intenções dos invasores. Para viver, era necessário que tivessem recursos e eles os pegavam onde os encontrassem. Eles nos tratavam como nós tratamos os ratos, mais ou menos pelas mesmas razões, sem maldade, sem pena.

Indaguei a mim mesmo se entre a miríade de criaturas verdes cheias de babas que o filme nos mostra em um dado momento, alinhadas dentro de seu disco voador, prontas para caírem sobre a terra, um ou dois dentre aqueles seres não hesitasse, perguntando a si próprio se era verdadeiramente justo agir assim contra seres, inferiores claro (pois incapazes de construírem discos voadores), mas ainda assim sensíveis, mas que não ousavam levantar a voz, acreditando serem os únicos a pensarem assim, a questionarem, por um instante a lei de solidariedade do grupo, da raça, da espécie, que sentiam o que sentem às vezes certos(as) humanos (as) face ao papel que desempenham de exploradores e exterminadores dos outros animais.

De repente, estes extraterrestres me pareceram quase familiares – diferentes somente com relação ao fato que eles, ao contrário de nós, não podiam sobreviver sem matar. Comecei a refletir sobre esse automatismo que nos leva a ver as coisas com um enfoque, um olhar tão diferente, de acordo com a posição que ocupamos: se somos o predador ou a presa. Saindo do cinema, no meio da multidão que se dirigia ao Mac Donalds, minha satisfação de bondoso, minha felicidade de ter sobrevivido ao filme e vencido os malvados se transformou em mal estar.

Notes

[1Eu realmente não compreendi a palavra.

[2O filme mostra a humanidade sendo salva por um Negro e um Judeu. Que gentileza... Afinal eles são também bem machos e heterossexuais, bem americanos e bem cristãos; daqui a cinqüenta anos e chegaremos todos lá! Ah, também não há indígenas no filme, isso poderia soar como sendo algo de mau gosto, visto que o comportamento dos invasores poderia lhes lembrar alguma coisa.

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