Este texto é o do capítulo 3.4, «Tiere, Tod und Tötung», da exposição de filosofia de Karin Karcher, Auf der Suche nach der Bedeutung des Tieres in der Ethik («Em busca do significado do animal na ética»), feita junto à Universidade de Hamburgo, em 1991.
Até que ponto o fato de matar animais é verdadeiramente inevitável? Que racionalidade têm os fundamentos racionais que justificam o fato de matar? Estas questões já contêm um postulado, que pede para ser examinado: a pressuposição, primeiramente, de que a razão humana, desde que ela se considera como racional, o seja sempre realmente e, em segundo lugar, que um argumento racional, elaborado por humanos, seja em si suficiente para justificar a morte de um animal. Em suma: que o direito de um animal de viver esteja subordinado à razão humana.
Jürgen Dahl [1]
Enquanto Peter Singer e Tom Regan estão relativamente próximos um do outro em seu julgamento sobre o ato de matar um ser que possui a consciência de si mesmo, as diferenças entre eles tornam-se mais significativas quando se trata de seres que são somente conscientes. É sobretudo nas razões pelas quais o fato de matar um indivíduo é um erro direto, quando é, que existem grandes divergências. Primeiramente vou apresentar de modo separado os pontos de vista de Singer e de Regan, para em seguida ocupar-me com as diferenças fundamentais entre um e o outro.
A avaliação moral, por Singer, do ato de matar um indivíduo, requer um exame mais preciso de duas versões diferentes da concepção utilitarista da moral. Antes de passar ao julgamento que Singer faz sobre essas duas posições, vou explicar em algumas palavras no que elas se distinguem uma da outra.
O utilitarismo dá sua preferência ao ato que produz as melhores conseqüências para todos os envolvidos nesse ato; portanto, o ato que, ou aumenta a felicidade (ou o prazer) dos envolvidos, ou então diminui a infelicidade (ou o sofrimento) dos envolvidos. O objetivo dos atos morais deve ser de aumentar a soma de felicidade no mundo. No entanto, a prior existence view – ponto de vista que leva em conta a existência anterior – e a total view – ponto de vista que leva em conta a totalidade – julgam de modo divergente os meios de realização da finalidade utilitarista, isto é, o aumento da felicidade e, conseqüentemente, também a admissibilidade de matar seres vivos.
Segundo a total view, é insignificante o fato de saber se a soma de prazer ou de felicidade no mundo aumenta porque o número de indivíduos felizes aumenta ou porque a felicidade dos indivíduos já em vida é aumentada. Isto tem por conseqüência que se pode compensar a perda de felicidade causada pelo ato de matar um ser vivo pela criação de um outro indivíduo também feliz. Este ponto de vista hedonista, que considera exclusivamente as experiências que um indivíduo experimenta durante a sua vida, não vê em sua morte nada mais do que a cessação das suas experiências de felicidade. O ato de matar e a diminuição da soma de felicidade no mundo, que a ele está ligada, não são moralmente condenáveis quando a perda é substituída em qualquer outra parte, e o ato de matar, sem dor. Ainda que o ato de matar não seja considerado como um prejuízo em relação àquele que é morto, ele pode, no entanto, ser moralmente injusto por causa de outras conseqüências negativas. Assim, são incluídos na avaliação moral do ato de matar, além da redução de prazer, todos os outros efeitos secundários: o sofrimento que se inflige aos pais ou amigos; o receio de sua própria morte prematura, que pode ser suscitado entre os que são informados do falecimento de algum outro indivíduo. Estes efeitos são razões possíveis para rejeitar moralmente o ato de matar um ser vivo. A total view não pode, contudo, explicar por que o fato de matar um indivíduo pode ser moralmente condenável quando sua morte não é descoberta, quando não se causou sofrimento nem a ele próprio, nem a qualquer outro indivíduo e quando se substituiu a perda de sua felicidade por um novo indivíduo também feliz. A prior existence view, em contrapartida, só considera os indivíduos que já existem. Ela não reconhece valor no aumento da soma de felicidade no mundo pela adição ao mundo de indivíduos suplementares, mas unicamente no acréscimo da felicidade dos seres já vivos. É, portanto, moralmente condenável matar um indivíduo cuja vida contenha mais prazer que dor, e não se pode compensar, pelo nascimento de um novo ser feliz, a perda causada pela sua morte. Segundo a prior existence view, os seres vivos ou as suas experiências de felicidade não são, portanto, substituíveis.
Mas voltemos a Singer. Este julga o ato de matar um indivíduo em função da complexidade das suas experiências de consciência [2]:
Sugeriu-se que o desenvolvimento da consciência, ou capacidade de ressentir, é o critério essencial, mas, ainda que a posse da consciência torne moralmente condenável fazer sofrer um ser consciente ou tornar seus estados conscientes menos agradáveis do que eles seriam de outro modo, não está, porém, claro por que a simples consciência deveria ser determinante para tornar condenável o ato de matar.
Ele parte do ponto de vista segundo o qual um ser consciente, mas não consciente de si, tem certamente um interesse em evitar o sofrimento (e deve, portanto, como todos os indivíduos conscientes de si mesmos, se beneficiar, por este interesse, de uma consideração igual); em contrapartida, ele não pode ter interesse no prosseguimento de sua vida. Morrer não é uma perda para um ser que não se sente como tendo um futuro. Ele não tem nenhuma preferência referente ao futuro, que poderia permanecer insatisfeita pelo fato de sua morte precoce. A diminuição da quantidade de prazer no mundo, causada pela sua morte, pode ser compensada pela criação de uma nova vida, igualmente cheia de prazer.
Em contrapartida, a morte representa uma perda para um ser que percebe a si mesmo como uma entidade distinta que existe através de um lapso de tempo e que possui um passado e um futuro, pois esse ser possui preferências para o futuro, cuja não-satisfação não pode ser compensada pelas preferências satisfeitas de um novo indivíduo. O interesse em sobreviver de um ser consciente de si mesmo, na medida em que ele possua esse interesse, deve ser levado em conta.
Para Singer, a demarcação entre os indivíduos conscientes de si mesmos e os indivíduos somente conscientes está estreitamente ligada ao conceito de pessoa. Esse conceito, estribando-se em Locke e em numerosos outros «irreprocháveis representantes da história da filosofia», define uma pessoa como «um ser pensante e inteligente, que possui a razão e a reflexão e que sabe se ver como ele próprio, como o mesmo ser que reflete em diferentes tempos e lugares [3]».
O fato de que numerosos animais possuem estas capacidades está provado, segundo Singer, não somente pelos conhecimentos provenientes das experiências que se referem ao uso, pelos chimpanzés, da linguagem gestual; as descrições feitas por Jane Goodall do comportamento destes últimos num ambiente natural demonstram, também elas, claramente que eles podem agir intencionalmente e possuem um conceito de futuro [4].
A diferença entre a vida de uma pessoa e de uma não-pessoa não desempenha nenhum papel no utilitarismo hedonista clássico, uma vez que este só reconhece como moralmente pertinentes o aumento do prazer e a diminuição do sofrimento, estados de consciência que não têm mais peso após a morte. Em contrapartida, ela é muito importante na variante de Singer do utilitarismo das preferências, que parte da maximização da satisfação dos interesses [5]:
(...) uma vez que um ser que não pode se conceber como uma entidade com um futuro não pode ter preferências referentes à sua própria existência futura.
Peter Singer retoma em Practical Ethics os dois conceitos, a total view e a prior existence view, em função da complexidade da consciência dos indivíduos. Ele considerava até aqui a total view, segundo a qual os indivíduos são substituíveis, como uma teoria aplicável a todos os seres vivos não-conscientes de si mesmos (as não-pessoas), enquanto ele aplicava a prior existence view à avaliação do ato de matar os seres conscientes de si mesmos (as pessoas). Mas, nesse meio tempo, ele fez algumas modificações em sua teoria sobre este assunto, que ainda não se tornaram de domínio público [6]]. Da minha troca de correspondência com ele [7], resulta que ele considera atualmente a prior existence view como não-convincente, aplicando, portanto, a total view tanto aos seres somente conscientes, quanto aos seres conscientes de si mesmos. Levaria longe demais expor as razões da rejeição da prior existence view, mas elas correspondem, sem dúvida, essencialmente às objeções que Derek Parfit faz em Reasons and Persons [8]. Existe, no entanto, independentemente da prior existence view, um argumento contra a substituição dos indivíduos conscientes de si mesmos. Singer é um defensor do utilitarismo das preferências e não de um utilitarismo hedonista. O utilitarismo das preferências rejeita o ato de matar um indivíduo que prefere continuar a viver, pois a morte frustraria um desejo importante. Um indivíduo morto e a sua preferência no sentido de continuar a viver não podem ser substituídos por um novo indivíduo e seu próprio desejo de continuar a viver, pois não há desejo prévio de existir (prior desire), somente uma preferência que primeiramente deveria ser criada, para só depois, então, ser satisfeita.
Eu não acho que a total view torna os seres conscientes de si mesmos substituíveis, pois eles possuem uma preferência existente que permanecerá não-satisfeita se eles forem mortos. Criar um novo ser significa criar uma preferência primeiramente e satisfazê-la somente em seguida, isto é, o ato de criar um novo ser não é em si um ato que satisfaz essa preferência, pois não há preferência pela existência no momento da criação. Criar uma preferência e satisfazê-la em seguida não é um ganho – se fosse, eu poderia fazer o bem torturando as pessoas e depois, uma vez que eles tivessem uma preferência profunda no sentido de que a dor cessasse, cessar de torturá-los [9].
Tendo em vista o fato de que a avaliação moral do ato de matar um indivíduo depende de sua capacidade de desejar a sua própria sobrevida, o fato de se pertencer a uma espécie é tão pouco pertinente para a questão de matar quanto para a questão de fazer sofrer. Assim, é possível que matar um chimpanzé adulto, capaz de agir intencionalmente e de se ligar socialmente e que possui a consciência de si, assim como desejos referentes a seu futuro, seja um mal maior do que matar um indivíduo humano, incapaz de tudo isso [10]. Pois da mesma forma que existem humanos que não são pessoas, existem pessoas que não são humanos.
No utilitarismo, as razões indiretas em oposição ao ato de matar se somam às razões diretas. Os efeitos secundários também contam na avaliação moral de um ato. Não se deve, portanto, levar em conta somente o fato de se tratar da morte de um ser consciente de si mesmo ou somente consciente, mas também o fato de que a execução de um ser não é geralmente, para este último, sem dor, e que entre numerosas espécies de animais há vínculos emocionais recíprocos, de maneira que os indivíduos restantes também possam sentir como dolorosa a morte de um membro do seu grupo [11].
Com relação ao ato de matar um animal consciente de si mesmo, a opinião de Regan não se distingue essencialmente da posição de Singer. O critério de sujeito-de-uma-vida do primeiro concorda em larga medida com o conceito de pessoa do segundo. Regan parte do ponto de vista segundo o qual se inflige um prejuízo (harm) a um sujeito-de-uma- vida quando ele é morto, mesmo se a sua morte for indolor. Regan distingue duas espécies diferentes de prejuízos: pode tratar-se, por um lado, da inflicção de uma infelicidade (infliction) – por exemplo, de uma dor – e, por outro lado, de uma privação (deprivation). Um indivíduo não sofre necessariamente quando passa por uma privação. Assim, se causa um prejuízo a um ser vivo quando se priva o mesmo de certas possibilidades necessárias a uma vida boa relativamente a suas capacidades. Mesmo se ele não estiver consciente do prejuízo que lhe é infligido e não tenha sofrimentos físicos ou psicológicos, a sua perda de possibilidades representa uma infração em oposição ao dever prima facie de não-prejuízo.
Às vezes, mesmo, o prejuízo é precisamente tanto maior, quanto aqueles aos quais ele foi infligido são inconscientes do mesmo. (...) O fato de ele não saber o que lhe falta faz parte do prejuízo que eu lhe infligi [12].
Uma privação (deprivation) é geralmente um prejuízo duplo, por um lado, pela privação de possibilidades de satisfação de necessidades e, por outro lado, porque ela conduz, com freqüência, ao sofrimento do indivíduo e, assim, a um prejuízo no sentido da inflicção de uma infelicidade (infliction). Manter um animal em cativeiro, sozinho, por exemplo, é uma privação das suas possibilidades de satisfazer a sua necessidade de companhia e de liberdade de movimento (o que é, portanto, um prejuízo, mesmo se o animal não estiver consciente dessa perda) e é igualmente, neste caso, fonte de sofrimento psicológico e físico [13].
[Esta distinção] entre inflictions e deprivations demonstra que o sofrimento físico ou psicológico não é absolutamente o único prejuízo que se pode infligir aos animais. A objeção freqüente, segundo a qual o ato de matar um animal é moralmente aceitável, contanto que isso não lhe cause sofrimento, perde, segundo Regan, a sua força, pois ela deixa de levar em conta o prejuízo que o animal sofre sob a forma de uma privação «fundamental» das suas possibilidades [14]:
[Esse prejuízo] é fundamental, porque a morte tira todas as possibilidades de encontrar satisfação. (...) A morte é o prejuízo último, porque ela é a perda última – a perda da própria vida.
Tom Regan e Peter Singer concordam, portanto, em reconhecer que a morte, mesmo quando for indolor, é uma perda, ao menos para todos os animais que se percebem como seres distintos e que possuem um futuro. Ambos consideram que provocar uma morte prematura é um mal [15] direto prima facie [16].
Regan apresenta, no entanto, a idéia em The Case for Animal Rights, de que, ainda que Singer considere a preferência por continuar a viver como um critério suficiente para que infligir uma morte precoce seja um mal direto, este último não consegue, entretanto, mostrar por que o ato de matar um paciente moral consciente de si mesmo (e, portanto, também um animal consciente de si mesmo) é prima facie um mal direto. Regan considera que um indivíduo só pode possuir o desejo de continuar a viver se ele for capaz de preferir isto à morte. E isto, por sua vez, só é possível quando ele possui uma representação de sua própria mortalidade. Segundo Regan, isto é, contudo, uma capacidade mental que nem os animais, nem numerosos pacientes morais humanos (inclusive, dentre eles, os indivíduos conscientes de si mesmos) possuem. Assim, sempre segundo Regan, Singer não pode mostrar que o ato de matar um animal consciente de si mesmo é moralmente condenável.
Eu não acho que esta idéia seja convincente, pois ela se opõe essencialmente à formulação, feita por Singer, de sua «preferência pela continuação da vida [17]», que é interpretada por Regan de um modo que não atinge o que creio ser central no que Singer quer dizer com isto. Também Regan considera claramente que numerosos animais, a saber, todos os mamíferos com idade superior a um ano, são concebidos como seres com um futuro, sem que eles sejam, por isso, ao mesmo tempo, capazes de conceber a sua própria morte. Segundo a sua própria definição, os sujeitos-de-uma-vida são capazes de praticar atos com a convicção de que eles poderão satisfazer certos desejos futuros graças a eles; eles possuem a consciência de si e percebem a si mesmos como seres distintos, vivendo no tempo. Matar um sujeito-de-uma-vida é, prima facie, tão moralmente condenável para Regan quanto matar uma pessoa para Singer (ainda que seja sobre bases diferentes). Segundo a forma pela qual Regan interpreta a formulação das “preferências para a continuação da vida” de Singer, nenhum animal pode, contudo, nutrir tais preferências. Que Singer não tem, todavia, realmente no espírito, quando ele fala de «preferências pela continuação da vida», nenhuma outra capacidade do que Regan, com o seu «critério de sujeito-de-uma-vida», fica claro ao serem comparadas as seguintes citações:
certos animais (...) possuem uma memória e esperanças referentes ao futuro (e, portanto, um sentido do futuro), e são capazes de agir intencionalmente, tentando realizar os seus desejos ou atingir os seus objetivos (...) [18].
Regan postula esta capacidade para todos os seres conscientes de si mesmos. Singer formula a mesma idéia de forma bem semelhante:
Um ser assim consciente de si mesmo será capaz de possuir desejos referentes a seu próprio futuro. (...) Tomar-[lhe] a vida significa opor-se [a seus] desejos para o futuro [19].
Na minha opinião, Singer considera que o ato de matar um ser vivo consciente de si mesmo deixa os seus desejos a respeito do futuro insatisfeitos. A sua morte se opõe a suas preferências e isto basta, segundo a perspectiva do utilitarismo das preferências, para justificar o fato de a morte de tal indivíduo ser, prima facie, um mal direto. Neste sentido, não é absolutamente verdade que o desejo de continuar a viver não seja concebível senão mediante a pressuposição de que o indivíduo em questão esteja consciente da possibilidade da sua própria morte, e a crítica de Regan, que diz que Singer não pode justificar que seja, prima facie, um mal matar um ser vivo consciente de si mesmo, é infundada.
Já destaquei que o ato de matar um ser não-consciente de si mesmo não é, segundo Singer, um mal direto para com ele. A morte, diz Singer, não é uma perda para tal ser, pois ele não possui desejos referentes a seu próprio futuro. Embora Regan não diga explicitamente como ele julga o ato de matar um ser apenas consciente, que não é, portanto, um sujeito-de-uma-vida, deve-se, na minha opinião, supor que ele veja nisso um mal direto prima facie. Com efeito, a morte representa sempre uma privação e uma perda para um animal, não somente quando ela se opõe ao seu interesse pelo bem-estar (welfare-interest), mas também quando o animal não se interessa (não tem interesse de preferência, preference-interest) pelo fato de permanecer vivo ou de evitar a morte.
A morte é um infortúnio, um prejuízo para eles, quando a morte é uma privação, uma perda: ela é isso quando a sua morte é contrária aos seus interesses pelo bem-estar, mesmo quando se supõe que eles não possuam interesses de preferência no sentido de permanecer vivos ou de evitar a morte [20].
Parece lógico admitir, ainda que não haja afirmações explícitas a este respeito, que para Regan, uma vez que um ser sensível apenas consciente possui um bem-estar, é um mal direto prima facie fazê-lo morrer prematuramente. A diferença de julgamento que tem por objeto o ato de matar animais, por Singer e Regan, está ligada a esta distinção, feita por este último, entre interesses pelo bem-estar (o que está no interesse de um indivíduo) e interesse de preferência (aquilo pelo qual um indivíduo se interessa). Regan vê no ato de matar um indivíduo, como em todas as outras formas de privação, um mal prima facie contra um indivíduo, porque se lhe inflige um prejuízo (harm) que o priva de alguma coisa que está em seu interesse, a saber, o prosseguimento de sua vida ou certos bens [21] (benefits) necessários a seu bem-estar. E o prosseguimento da sua vida ou esses bens estão em seu interesse mesmo se ele não se interessa conscientemente por eles. O fato de um indivíduo não se interessar conscientemente pela sua sobrevivência ou por certas condições de vida proveitosas para o seu bem-estar não significa que se trata de um ser não-consciente, mas apenas que ele não sente esse prejuízo preciso, porque, por exemplo, jamais viveu em outras condições mais proveitosas para o seu bem-estar, nas quais ele não era obrigado a renunciar a esses bens. (Os enunciados de Regan e de Singer sobre a avaliação moral da inflicção do sofrimento e da morte não se referem aos seres sem consciência. Caracteriza-se um ser vivo como consciente quando ele pode experimentar sensações, como o sofrimento ou o prazer. Ambos consideram que não se deve levar moralmente em conta os seres que não são sensíveis (sentient) e que não têm, portanto, consciência, pois eles são incapazes de conhecer um bem-estar. Não há nada que possa estar em seu interesse, nem que possa interessá-los).
Considero como muito importante a observação de Regan segundo a qual um indivíduo pode ter dois tipos de interesses, pois ela torna compreensível o fato de que um ato possa ser um mal direto contra ele, mesmo que ele não esteja consciente do prejuízo infligido. Assim, apesar do fato de que, segundo Regan, nem os animais conscientes, nem os que são conscientes de si mesmos, não possuem interesse de preferência no sentido de sobreviver (já que eles não possuem representação da morte), e de que, em certas condições, numerosos animais não possuem interesse de preferência por certos bens (benefits) necessários ao seu bem-estar, eles possuem, no entanto, certamente um interesse pelo bem-estar. O seu bem-estar está no seu interesse e, conseqüentemente, toda e qualquer forma de privação é um prejuízo que lhes é infligido e, portanto, um mal prima facie [22]. A ausência desta distinção em Singer não implica somente que este considera como moralmente aceitável matar indivíduos que não possuem preferências referentes ao futuro, mas igualmente que ele deve, me parece, considerar como moralmente aceitável criar animais que viveriam sem dor e sem interesses. Então tampouco haveria objeção moral ao fato de se conservar animais permanentemente drogados. Singer não aborda a distinção segundo a qual a vida e o bem-estar podem estar no interesse de um indivíduo, mesmo quando ele é manipulado de tal maneira, que ele não se interessa por isso conscientemente. Regan, em contrapartida, reconhece ainda a existência de uma infração contra o dever prima facie de não-prejuízo quando seres não sofrem absolutamente em função do prejuízo infligido. Não somente o ato de matar sem dor, mas também a criação de animais drogados, representam para Regan um mal direto. Na minha opinião, a observação de Singer [23], segundo a qual eventuais preferências referentes ao futuro seriam influenciadas pela droga, não resolve a questão de maneira satisfatória, pois no final das contas seria possível manipular animais sob a influência de drogas desde o dia do seu nascimento de tal forma, que eles jamais desenvolvessem desejos referentes ao futuro, os quais não poderiam, portanto, ser frustrados pela administração de drogas. John Benson observa [24] que a dificuldade que isto encerra para Singer está ligada ao fato de que ele torna a posse de interesses dependente da capacidade de sofrer. Benson propõe, ao contrário, considerar a consecução de objetivos independentes e de uma vida conforme com a espécie como interesses, mesmo se o interesse por isso e, portanto, um sofrimento consciente, estiverem ausentes, por exemplo, no caso de um novilho acalmado com tranqüilizantes. Conceber os «interesses» neste sentido levaria claramente o respeito pela vida de um ser a excluir que se lhe pudesse impor uma inconsciência estupefata ou «uma escravidão feliz».
À minha pergunta se a morte não poderia ser igualmente uma perda para um ser não-consciente de si mesmo, já que ela se opõe àquilo que está no interesse desse ser, Singer responde em sua carta que não tem sentido falar de uma perda de vida futura senão quando um indivíduo possui uma espécie de continuidade mental (mental continuity). Para isso, um indivíduo deve não apenas ser fisicamente o mesmo amanhã que ontem, mas também deve existir uma ligação mental entre os dois, que faça deles uma entidade existente no tempo [25].
Os julgamentos de Regan e de Singer sobre o ato de matar indivíduos são, portanto, completamente diferentes:
Mesmo se Regan não explica se os animais somente conscientes, isto é, capazes de sofrer, mas não-conscientes de si mesmos, ainda que eles não sejam sujeitos-de-uma-vida, possuem um valor inerente que lhes daria o direito de não serem mortos, a apresentação que ele faz da morte enquanto privação e violação dos interesses pelo bem-estar não é por isso menos completamente transferível aos seres somente conscientes. A morte infligida prematuramente deve, portanto, ser considerada como um prejuízo, uma perda e um mal direto para todos os seres vivos capazes de possuir um bem-estar, portanto, igualmente nos seres não-conscientes de si mesmos, e no entanto sensíveis.
A posição de Regan em relação ao ato de matar um indivíduo teria, portanto, um alcance mais significativo do que a concepção de Singer, pois este só vê na morte uma perda para os seres vivos conscientes de si mesmos, os quais são, na sua opinião, os únicos a possuir uma preferência por continuar a viver. Isso é menos claro no que diz respeito ao sofrimento, pois Singer exige claramente a consideração de todos os seres vivos que têm interesse em evitar o sofrimento (portanto, igualmente seres somente conscientes). Regan, pelo contrário, dá o direito de não se ver infligir sofrimento, tal como o direito de não ser morto, unicamente aos sujeitos-de-uma-vida, ou seja, aos indivíduos conscientes de si mesmos. Apesar de os desenvolvimentos sobre os prejuízos infligidos darem aqui ainda a entender que ele considera aquilo que é causado a um indivíduo pela inflicção de dor ou de sofrimento (infliction) da mesma forma que o que é causado pelo ato de matar (deprivation) como um mal direto para todos os seres que possuem um bem-estar, ou seja, igualmente no caso dos seres sensíveis não-conscientes de si mesmos, Regan, tanto quanto eu saiba, também não escreveu nada sobre este assunto, a partir do que se poderia deduzir indubitavelmente que ele lhes dá direitos morais, pois ele não postula claramente para eles um valor inerente. O critério de sujeito-de-uma-vida, que implica a capacidade de consciência de si, permanece, entretanto, suficiente, mas não necessário para a atribuição do valor inerente e dos direitos dele decorrentes, uma vez que Regan observa em outras passagens que não se pode derivar o valor inerente a partir deste critério.
As divergências entre Singer e Regan, referentes à avaliação moral dos atos de matar e de fazer os animais sofrerem se agravam ainda mais quando são analisadas as circunstâncias em que eles consideram esses atos como moralmente justificados. Essas divergências provêm, antes de mais nada, de sua concepção diferente da ética (isto é, daquilo que torna um ato moral) e só se tornam compreensíveis quando são colocadas em relação com a sua concepção subjacente respectiva da moral, teleológica para o primeiro e deontológica para o segundo. A crítica que Regan dirige a Singer se refere, conseqüentemente, sobretudo à avaliação utilitarista das conseqüências de um ato.
Conforme já se mencionou no começo, a inflicção de sofrimento e o ato de matar um indivíduo (quer ele possua a consciência de si, quer não) estão moralmente justificados segundo a concepção utilitarista quando as respectivas conseqüências são positivas para a utilidade total a ponto de compensarem a não-satisfação das preferências satisfeitas do indivíduo lesado. O indivíduo não representa, portanto, no utilitarismo, uma fronteira absoluta para as maneiras de agir de outrem (e nisto o utilitarismo das preferências não se distingue do utilitarismo hedonista). Regan vê nisso um desprezo do valor inerente dos indivíduos. Eis o que ele censura no utilitarismo das preferências [26]:
Se depois de terem sido consideradas as preferências de cada um, e as mesmas terem sido contadas eqüitativamente, se chegou à conclusão de que do ato de matar A resultaria o saldo ideal de satisfação das preferências, então, segundo o utilitarismo das preferências, é, tudo bem pesado, o que se deveria fazer. Segundo este ponto de vista, A é somente um recipiente daquilo que tem valor (a saber, a satisfação das preferências), sem nenhum valor próprio independente.
Os direitos morais são tão fundamentais para a rights view, que eles não devem ser violados nem mesmo em nome do aumento máximo do bem da comunidade. O ato de matar um agente moral ou um paciente moral é moralmente injusto, pois ele viola o seu direito, e isto é o caso toda vez que ele não é respeitado em seu valor inerente, valor que existe independentemente das considerações referentes à utilidade de um indivíduo para os outros. A citação mostra que Regan considera que faltamos à nossa obrigação moral de respeitar o valor inerente de um agente moral ou de um paciente moral em particular quando lhe infligimos um prejuízo, a fim de aumentar ao máximo a utilidade total para todos os envolvidos por este ato; pois tratar um indivíduo assim seria considerá-lo como um mero recipiente intercambiável daquilo que tem valor (isto é, prazer e dor), e não como alguma coisa cujo valor inerente não é redutível (reducible) ou comensurável (commensurable) ao valor intrínseco das experiências interiores.
Tomando emprestada uma parte de frase a Kant, eu diria que os indivíduos que possuem um valor inerente não devem jamais ser tratados somente como meios para realizar a melhor soma de conseqüências [27].
Singer responde a estas censuras sobretudo em seu artigo «Animal Liberation or Animal Rights? [28]». Ele se serve efetivamente do termo «recipiente» (receptacle) para os animais não-conscientes de si mesmos [29], mas admite que esta analogia pode levar facilmente a mal-entendidos, pois ela dá a impressão de que as sensações, como a felicidade ou a dor, seriam representáveis de maneira separada do indivíduo que as sente. Singer acentua o fato de que as experiências interiores, que são a alegria, o sofrimento ou a satisfação de preferências, não são de maneira nenhuma concebíveis independentemente dos seres sensíveis. Mesmo se um utilitarista considera que as experiências agradáveis de um ser são substituíveis, ele considerará não estas últimas, mas o próprio indivíduo enquanto ele as sente como tendo um valor inerente. O utilitarismo das preferências acrescenta a restrição suplementar que unicamente os seres sem consciência de si (as não-pessoas) são substituíveis. Os indivíduos que Regan denomina sujeitos-de-uma-vida não o são absolutamente. O utilitarismo das preferências se esforça no sentido de maximizar a satisfação de preferências já existentes e não de produzir novas preferências (produzindo novos indivíduos) que poderiam ser satisfeitas em seguida. Por estes motivos, é um mal matar um indivíduo que possui preferências referentes ao prosseguimento de sua vida, e a frustração desses desejos não pode ser compensada pela criação de novas preferências satisfeitas. A censura que faz Regan, que o utilitarismo das preferências não respeitaria o valor inerente dos indivíduos, não estaria justificado, segundo Singer, mesmo se o utilitarista não considerasse como tendo um valor senão as experiências de um indivíduo e não o próprio indivíduo que sente, a não ser quando se trata de seres que não são sujeitos–de-uma-vida, portanto, somente para seres para os quais Regan não postula valor inerente na sua teoria (pelo menos ele deixa a questão em aberto). Portanto, as pessoas são tão pouco recipientes substituíveis, segundo a perspectiva do utilitarismo das preferências, quanto os sujeitos-de-uma-vida segundo a rights view (ponto de vista que atribui direitos) de Regan.
A principal censura de Regan continua sendo que quando o bem-estar de um indivíduo é sacrificado pelo bem-estar da comunidade (como o permite o utilitarismo das preferências), isso constitui uma falta de respeito pelo valor inerente de um sujeito-de-uma-vida, e o indivíduo é considerado como um simples recipiente daquilo que possui valor. Singer, em contrapartida, considera esta conclusão como falsa [30]:
Não é pura e simplesmente verdadeiro o fato de que infligir um prejuízo a um indivíduo, a fim de realizar a melhor soma de conseqüências para todos, «significa considerar o indivíduo lesado unicamente como recipiente daquilo que possui valor (...)». No fim das contas, os utilitaristas e outros que estão dispostos a infligir com este objetivo um prejuízo a indivíduos, considerarão aqueles aos quais eles infligem esse prejuízo, e aqueles que se beneficiam do mesmo, como possuidores de um valor inerente igual. Eles diferem de Regan unicamente pelo fato de que eles preferem maximizar os bens de que desfrutam os indivíduos, a limitar esses bens pela exigência de que não se deve infligir prejuízo a nenhum indivíduo.
Quando o utilitarista das preferências está disposto, por exemplo, a infligir um prejuízo a um indivíduo, a fim de preservar dez outros do mesmo, ele se baseia num cálculo de utilidade do qual resulta que a utilidade total para todos os envolvidos será a maior se só se infligir prejuízo a esse indivíduo. «Infligir um prejuízo a uma pessoa, a fim de realizar a melhor soma de conseqüências» não é absolutamente, segundo Singer, faltar ao respeito em relação ao valor inerente dos indivíduos lesados. O utilitarista das preferências confronta somente, por assim dizer, o valor inerente de um indivíduo e o valor inerentes dos outros, e conclui que um prejuízo causado a um único é menos grave do que um prejuízo causado a dez. Este exemplo torna claro que o utilitarismo das preferências leva bem em conta, de modo igual, os interesses dos envolvidos, mas que isso não leva forçosamente a um tratamento igual. Isso não significa, porém, que unicamente uma ética baseada nos direitos morais respeita o valor inerente das pessoas ou dos sujeitos-de-uma-vida. O princípio de consideração igual dos interesses reconhece, também ele, o valor inerente das pessoas (e de outros seres sensíveis). Além disso, este princípio é, na minha opinião, essencialmente mais claro, pois ele não depende da suposição teórica normativa referente ao valor inerente dos indivíduos. Com efeito, ele exige a consideração igual dos interesses de mesmo tipo de todos os indivíduos que os possuam. Daí decorre que devemos levar em conta o interesse no sentido de evitar o sofrimento entre todos os seres que possuam esse interesse, sejam eles conscientes de si mesmos ou não. A questão de saber se eles possuem um valor inerente não é importante aqui. Entretanto, do fato de que este princípio esteja ligado ao princípio de utilidade decorre, o que é problemático na minha opinião, que se esteja disposto, e até mesmo obrigado, a sacrificar o bem-estar de uma pessoa que possui um valor inerente ao bem-estar de outras pessoas que possuem igualmente um valor inerente em conseqüência de considerações referentes ao aumento máximo da utilidade [31].
Já mencionei que Regan tampouco considera o direito ao não-prejuízo como um direito absoluto, que não admitiria nenhuma objeção moralmente justificada. As circunstâncias e as conseqüências podem ser perfeitamente levadas em consideração pelo ponto de vista deontológico. Se não se pode, por exemplo, garantir senão pela transgressão dos direitos de alguns indivíduos os direitos de inúmeros outros, então a decisão de transgredir os direitos de alguns é uma reflexão que leva em consideração as conseqüências, mas não uma reflexão conseqüencialista, no sentido teórico normativo estrito. Com efeito, ela não torna os direitos de alguns indivíduos dependentes das conseqüências do reconhecimento destes direitos. Os indivíduos (os sujeitos-de-uma-vida) possuem, segundo a rights view, em todos os casos, direitos morais; a decisão referente àquilo que é preciso preferir em determinada situação segundo as perspectiva da ética é tomada perguntando-se se e como esses direitos podem ser respeitados de maneira ideal. É o respeito pelo valor inerente dos indivíduos que, eventualmente, exige que se lese o direito de alguns indivíduos, e não a vontade de otimizar o saldo de prazer e de desprazer ou das preferências satisfeitas e não-satisfeitas. As considerações referentes às conseqüências são certamente levadas em conta nesta posição deontológica antes moderada, mas elas não influenciam o reconhecimento dos direitos. Os direitos morais existem, segundo a rights view, para todos os sujeitos-de-uma-vida, quaisquer que sejam as conseqüências que possam daí decorrer.
Devido ao fato de que o utilitarismo só avalia moralmente o resultado de um ato, ele não pode levar em conta, por ocasião do «sacrifício» de um ou diversos indivíduos para uma utilidade total maior o fato de se tratar ou não de indivíduos não-implicados e inocentes. Regan, em contrapartida, só considera a violação do direito de um indivíduo inocente à não-inflicção de um prejuízo [32] como moralmente justificada em casos muito limitados; por exemplo, quando o indivíduo inocente representa, ele próprio, um perigo para os outros (innocent threat), ou quando alguém que representa um perigo para os outros se serve dele como pára-balas (innocent shield) – portanto, unicamente quando o respeito perante o valor inerente de um outro o exige [33]. As distinções entre as inflicções de um prejuízo a indivíduos, admitidas pela posição de Singer, e as admitidas pela rights view (as quais, comparadas com as precedentes, são exceções muito limitadas) ficam claras sobretudo quando se examina de mais perto os seus respectivos julgamentos, referentes à admissibilidade ou à inadmissibilidade das experiências com animais.
[1] «Handgemenge auf einem dünnen Seil. Ein Zwischenruf zur Tierschutzfrage», em Scheidewege Jg. 14 (1984/85), pp. 214 a 221.
[2] Peter Singer, «Killing Humans and Killing Animals», em Inquiry v. 22 (1979), pp. 150 e 151.
[3] Esta definição do conceito da pessoa vem do Essay concerning Human Understanding (tomo 2, cap. 9, §29) de John Locke, e é citada por P. Singer em Practical Ethics, ed. Cambridge Univ. Press, Cambridge, 1979, p. 76.
[4] Singer dá como exemplo em Practical Ethics a descrição que faz Jane Goodall do chimpanzé Figan em In the Shadow of Man, Boston, 1971, p. 107. Ele conclui (p. 96): «quando um animal consegue inventar um plano meticuloso a fim de obter uma banana – não imediatamente, mas num momento futuro -, e pode tomar precauções contra a sua própria tendência a deixar transparecer as suas intenções, então esse animal deve ser consciente de si mesmo enquanto entidade distinta e que existe no tempo».
[5] Practical Ethics, p. 81.
[6] P. Singer publicou depois uma versão revisada, Practical Ethics (Second Edition), ed. Cambridge Univ. Press, Cambridge, 1993. [NdT
[7] Troca de cartas com Peter Singer, dos dias 16 de setembro e 28 de outubro de 1991.
[8] Derek Parfit, Reasons and Persons, ed. Clarendon Press, Oxford, 1994, 4ª parte.
[9] Carta de 28 de outubro de 1991.
[10] Singer considera que, sob certas condições, é moralmente aceitável matar membros da espécie humana. Por exemplo, quando pais tomam a decisão, após o nascimento de uma criança com deficiência mental profunda, que ela não deveria continuar a viver, não seria moralmente condenável, segundo Singer, matá-la sem sofrimento, se ela não possui representação de si mesma enquanto ser com um futuro e, portanto, tampouco preferência pela continuação de sua vida, e se a vida que a espera será feita principalmente de sofrimento. Vide, com referência a isto, sobretudo H. Kuhse e P. Singer, Should the Baby Live, ed. Oxford University Press, Oxford, 1985.
[11] social. Numerosos animais, não somente entre os mamíferos, vivem vínculos de casal que podem ser mantidos durante anos. Da mesma forma, os vínculos emocionais entre pais e filhos podem ser muito pronunciados.
[12] Tom Regan, The Case for Animal Rights, ed. Routledge, Londres, 1988, pp. 97 e 98.
[13] Vide J. Mason e P. Singer, Animal Factories, ed. Crown Publishers, New York, 1980.
[14] The Case for Animal Rights, p. 100.
[15] Ruth Cigman, dentre outros, formula objeções contra a concepção de Singer e de Regan, segundo a qual a morte pode ser uma perda para os animais.
[16] Neste contexto, prima facie significa, no caso de Regan, que o ato de matar um indivíduo não-humano ou humano pode, sob certas condições, ser moralmente justificado. Para ele, essas exceções são, no entanto, muito limitadas. Elas não contam nem para a execução de animais para a produção de alimentos, nem para a utilização de animais em experimentos, qualquer que seja o seu caráter. Além disso, matar um animal não é uma injustiça quando a morte representa o menor prejuízo para o animal, como por exemplo, quando o prosseguimento da sua vida significa um sofrimento intenso e de longa duração e não existe nenhuma esperança de melhoramento (1988, p. 100). Os animais certamente não podem possuir o desejo de morrer, já que eles não têm nenhuma representação de sua própria morte, mas eles podem possuir o desejo de não mais sofrer. O ato de matar é moralmente justificado quando este desejo somente pode ser realizado pela sua morte (vide 1988, cap. 3.6 e 3.7, sobre o «paternalismo» e a «eutanásia» entre os animais). Peter Singer reconhece outras exceções além de Regan, que justificam a execução de um indivíduo, uma vez que o utilitarismo das preferências repousa sobre o exame da utilidade total para todos aqueles que estão envolvidos por um ato. Voltarei mais adiante a esta questão, na medida em que eu não a abordei na minha apresentação do ponto de vista de Singer, referente ao ato de matar um indivíduo.
[17] P. Singer, «Killing Humans and Killing Animals», p. 152.
[18] The Case for Animal Rights, p. 76.
[19] Practical Ethics, p. 78.
[20] The Case for Animal Rights, p. 102.
[21] O termo «bens» (benefits) designa, neste contexto, condições de vida materiais, de espaço ou sociais, necessárias para o bem-estar de um animal.
[22] The Case for Animal Rights, cap. 3.
[23] Em sua carta de 28 de outubro de 1991.
[24] John Benson, «Duty and the Beast», em Philosophy v. 53 (1978), pp. 529 a 549.
[25] Carta de 28 de outubro de 1991.
[26] The Case for Animal Rights, p. 210.
[27] Ibidem, p. 249.
[28] «Animal Liberation or Animal Rights ?», em The Monist, v. 70, n° 1 (janeiro de 1987), pp. 3 a 14.
[29] Practical Ethics, p. 102.
[30] «Animal Liberation or Animal Rights ?», p. 11.
[31] Já falei dos problemas ligados à transposição da fronteira interindividual no capítulo sobre o utilitarismo clássico.
[32] Segundo a rights view, o direito de um sujeito-de-uma-vida ao não-prejuízo é um direito prima facie, conforme já mencionado. Sua transgressão só se justifica moralmente quando pode ser demonstrada a existência de um ou diversos outros princípios morais válidos que têm preferência, nesse caso preciso, em relação ao direito ao não-prejuízo. O que são esses princípios, e que eles não podem fornecer nenhuma justificação para a utilização dos animais como objetos de pesquisa, é o que eu mostro no capítulo 3.6.4.
[33] The Case for Animal Rights, seção 8.7.