Antes de falar da violência (geralmente para condená-la quase que maquinalmente) é bom nos perguntarmos o que realmente entendemos como sendo violência, e prestarmos atenção ao que nos é apresentado como sendo a violência no cotidiano. A violência extrema do poder, da ordem, da lei, dos hábitos e dos preconceitos em toda a sua banalidade nos esmaga lentamente e reprova toda reação normal a esta violência, taxando-a de violenta! (como é fácil!) Por exemplo, pessoas que apóiam o ALF quando este incendeia abatedouros onde todos os dias seres vivos são massacrados em condições insuportáveis, e retiram os animais que seriam abatidos. Quem é violento? É necessário estamos conscientes desta violência tranqüila que nos cerca e que é terra fértil para a expressão física da violência como modo de relação.
Myriam e Jean-Simon, Liverpool.
Até hoje, mais de uma centena de militantes de defesa ou de libertação animal estão preso(a)s em prisões de países humanistas, por terem ajudado ilegalmente algumas das inumeráveis vítimas da exploração especista. Sua ação lembra seguidamente aquela do Underground Railroad no século XIX, grupo que ajudava nos Estados Unidos os escravos fugitivos/fugitivas do Sul a chegarem aos Estados não-escravistas do Norte. Ainda hoje, nenhum País aboliu a dominação especista e não há em parte alguma, refúgios seguros para os não-humanos arrancados de seus «legítimos proprietários» (experimentadores, criadores...), nem ainda para seus aliado(a)s humano(a)s.
Geralmente falamos pouco de todos os prisioneiro(a)s políticos, preferindo insistir no destino dos não-humanos e sobre os modos de militância que nos parecem mais eficazes que esse tipo de ação direta, atualmente com insuficiente poder político: sobre a luta ideológica para que o principio ético e político da igualdade animal substitua aquele da única igualdade humana.
Apresentamos aqui uma novidade muito falada sobre a repressão política atual. No Reino Unido...
Angie Hamp cumpriu pena de 4 anos por ações a favor dos direitos dos animais, e viu recentemente sua liberdade sobre juramento recusada depois de ter trabalhado duro para obtê-la.(...) Mesmo ela tendo dado-lhes, por escrito, a confirmação de que continuaria futuramente a luta pelos direitos dos animais dentro da igualdade, a recusa da comissão foi motivada pelas seguintes razões: ela recusou-se a comer um sanduíche que continha carne (!);
ela não reprimiu toda sua cólera sobre os sofrimentos e torturas que os humanos infligem cotidianamente aos outros animais [1].
Em todos os Países do mundo, os vexames e as humilhações (ou pior...) são o cotidiano de todos o(a)s prisioneiro( a)s [2]. Mas as medidas repressivas tem sido mais duras e as penas mais pesadas por causa da repercussão que ocorreu no Reino Unido por causa da ação direta dos liberacionistas. Os outros países europeus observam a situação com inquietação e preocupam-se com a extensão do fenômeno. De fato, já existem militantes nas prisões da Alemanha, Finlândia e em outros países do norte.
Arkangel [3], revista próxima do ALF, publicou recentemente a tradução inglesa do texto de David Olivier sobre o aborto (CA n.9), mas contendo duas modificações graves, nos diz Vincent Berraud (nós mesmos não vimos o texto). Não sabemos se as modificações foram propositais. Arkangel já havia censurado um artigo de Vincent, e tinha hesitado em publicar o de David. Numerosos militantes da libertação animal são pro-life, quer dizer lutam pelo «respeito de todas as vidas», incluindo a dos fetos. Neste mesmo número de Arkangel, encontra-se também um texto pro-life «hardline» (comumente naturalista purista, reacionário, partidário de uma ordem mundial fundada sobre as pretensas leis naturais, se opõe às vezes ao consumo de carne e ao aborto, ao homossexualismo...) e um artigo assinado pelo «Partido da Lei Natural». Enfim, Arkangel recusa-se a posicionar-se sobre a presença da extrema-direita no seio do movimento «para não se dividir».
Pensamos, ao contrário, que uma linha ética e política clara é uma necessidade para a igualdade animal. Desde um certo momento, o ALF britânico, por exemplo, fala cada vez menos do massacre dos «animais de corte» e cada vez mais das espécies ameaçadas, dos animais selvagens, da caça, etc. O naturalismo é um pouco crítico, muitos dos militantes, ao contrário, se valorizam. Que este ecologismo no final das contas serve um apolitismo reacionário, é o que as novidades acima enunciadas parecem confirmar. Os britânicos acentuaram a ação direta de sabotagem e de salvamento de animais, em detrimento de uma critica ideológica que vise uma mudança profunda de nossos modelos culturais, comprometendo assim uma certa consciência do que é especismo e da maneira como nós mesmos temos a tendência de reproduzi-lo.
Em relação à carne, na ausência de uma vontade política clara, numerosos militantes britânicos não hesitam em utilizar, massivamente há anos, de argumentos tipo «saúde» ou «caráter não natural da carne». Eles e elas têm gritado «nós avisamos» quando veio à tona o caso da ESB («síndrome da vaca louca»), desenvolvendo ainda mais o tema da «carne que envenena». Em nome de uma eficácia a curto prazo.
Que eficácia? O resultado está aqui [4]:
A forte redução do consumo de carne de gado é substituída pelo consumo de frangos. Cada frango é bem menor que um boi, então, o número de animais criados e mortos tem crescido em larga escala. E não são somente frangos que sofreram da doença ESB: mas também porcos, peixes, coelhos...
Assim, se as pessoas fogem da carne em nome da sua saúde, se considerarmos o ponto de vista do sofrimento e da morte imposta aos não-humanos, o resultado é freqüentemente pior. Bela eficácia da reacionária demagogia naturo-higienista!
[1] Boletim sobre os prisioneiros políticos no mundo (entre eles numerosos anti-especistas) , N.Latol, 7 rue du Muguet, 33000 Bordeaux.
[2] Cf. As Condições de detenção das pessoas encarceradas: relatório 1997, Observatório internacional das prisões, 16 av. Berthelot, 69007 Lyon.
[3] Arkangel, BCM 9240, London WC1N, Reino Unido.
[4] Evolução, entre 1996 e os nove últimos meses de 1995, da consumação britânica de muitas formas de carne bovina (acima) e da carne de frango (abaixo). Gráfico tirado de um jornal britânico, fonte IRI InfoScan.